
Está certo. Eu concordo contigo: é muito difícil prosseguirmos assim, mantidos à distância, à espera de encontros que se adiam. E fico imaginando se tivéssemos asas para voar. Se vivêssemos noutro planeta, noutra epóca. Se tivéssemos olhos para ver, mãos para tocar, palavras para trocar. E se não morrêssemos, se não sentíssemos, se fugíssemos. Se as lagartas não virassem borboletas. Tudo porque insistimos em viver de maneira antagônica. Insistimos em não perceber que o céu é azul, que as flores existem, que a água é corrente. E apesar de tudo vivemos. E morremos a intervalos regulares. Mas tudo seria desnecessário se houvessem mais vozes a cantar, outros valores a perseguir, menos hidrômetros nas ruas. Seria desnecessário escrever - para filosofar em torno do condicional e do absurdo. Tudo seria desnecessário se pudéssemos nos abraçar e nos deixar. Voltemo-nos porém ao dia-a-dia, às análises, ao papel, às conversas que a nada levam, às idas e vindas. Ocupemo-nos destas coisas necessárias à continuidade do absurdo de que somos parte, necessárias ao vazio, às expectativas, à grande máquina. Vamos nos arranjando, como dizia o poeta, com a claridade que conseguimos destilar da sombra comprimida. Fique tranquila, relaxe os nervos, sorria. Caminhe até o fundo do quarto e rabisque qualquer coisa na parede. E volta à minha direção para que eu possa abraçar-te.
Autor Desconhecido